
Nas celebrações papais no Vaticano, em geral, uma estátua de Nossa Senhora com Jesus no colo tem lugar de destaque. Descubra a história dessa obra de arte
Paulo Teixeira / Aleteia
Missa com o Papa no Vaticano é uma coisa linda. Coral, sons, incenso, as belas palavras do Pontífice e a emoção dos fiéis. Sempre do lado esquerdo do altar é colocada uma estátua da Virgem Maria. Em Geral, uma imagem de Maria com o menino Jesus no colo. Diante dessa obra de arte os papes fazem reverência, oferecem incenso e demonstram afeto à Mãe de Deus.
Interessante pensar que na Basílica de São Pedro, com seus cinco séculos de história, uma estátua relativamente recente é colocada em destaque. Para ter uma noção, o baldaquino do altar da Basílica de São Pedro foi construído por Gian Lorenzo Bernini no início de 1600 com o bronze do Panteão, que data dos primeiros séculos da era Cristã. Já a estátua de Nossa Senhora colocada sobre o baldaquino, junto ao altar, é do século XIX e realizada em madeira.
Uma relíquia da arte sacra brasileira, desconhecida por muitos no Brasil, tornou-se parte essencial das liturgias papais no Vaticano. A peça, uma escultura de madeira de Nossa Senhora de Montserrat, foi um presente do presidente João Goulart ao Papa Paulo VI em 1963, por ocasião do início de seu ministério petrino.
A entrega da escultura ocorreu durante um almoço na embaixada brasileira junto à Santa Sé, em julho de 1963, onde Goulart a entregou pessoalmente a membros da Cúria Romana. Desde então, a imagem integra o acervo do Vaticano, sob a tutela do Ofício das Celebrações Litúrgicas Pontifícias.
O Papa Paulo VI, conhecido por sua apreciação por esculturas em madeira, designou que a imagem fosse colocada em sua antessala pontifícia. Em 2011, o Papa Bento XVI foi além, determinando que a peça acompanhasse as principais celebrações na Basílica Vaticana e na Praça de São Pedro.
Nossa Senhora de Montserrat é a padroeira da Catalunha, na Espanha. As representações trazem Nossa Senhora Negra e a chamam de “moreneta”. No entanto, o exemplar brasileiro se distingue pela pele clara, uma característica que surpreende muitos fiéis. Essa peculiaridade tem uma explicação histórica: quando a devoção a Montserrat chegou ao Brasil no final do século XVI, a imagem espanhola era representada com o rosto claro. Foi somente a partir do século XVII que o acúmulo de fuligem das velas no santuário catalão foi escurecendo a imagem, que acabou se consolidando como a “Virgem Negra”.
Por essa razão, em igrejas brasileiras dedicadas a Nossa Senhora de Montserrat — devoção incentivada pelo governador-geral Francisco de Sousa (1591-1602) —, a Virgem costuma ser retratada com a pele branca.
A escultura do Vaticano é adornada com a técnica do “estofado de ouro”, que combina gesso, cola, folha dourada e pintura em têmpera. Seu manto, originalmente, apresentava uma decoração floral em tons de verde-esmeralda com reflexos dourados, as cores da bandeira do Brasil.
Desde 2011, a peça recebe manutenção periódica nos Museus Vaticanos, sob os cuidados da restauradora Stefania Colesanti, que utiliza técnicas tradicionais e métodos sustentáveis, como o uso da planta marinha posidonia para a reintegração da madeira.
Apesar de sua origem pouco conhecida, a imagem ocupa um lugar singular na vida litúrgica da Igreja. Ela simboliza um encontro de culturas e a devoção a Maria que transcende fronteiras, atuando como um testemunho do laço histórico entre o Brasil, a Catalunha e a Sé de Pedro.